Entrevista com Raquel Rolnik: “moradia não é um teto e quatro paredes”
20 de setembro de 2016
FONTE:http://www.caupr.org.br/?p=18648
A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik durante o lançamento do seu livro na UFPR.
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, esteve em Curitiba para lançar seu novo livro intitulado “Guerra dos Lugares – A Colonização da Terra e da Moradia na Era das Finanças”.
Entre 2008 e 2013, Raquel Rolnik foi relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada, período que coincidiu com a crise hipotecária e financeira da questão habitacional, especialmente nos Estados Unidos. Durante a chamada “crise imobiliária” ocorreu a derrocada de executivos de bancos e de instituições financeiras, além do colapso de muitas famílias que perderam suas casas. A obra tem relação direta com essa experiência vivida pela professora no período em que atuou na ONU.
O evento de lançamento do livro ocorreu no mês passado, no prédio histórico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde a renomada arquiteta e urbanista concedeu uma entrevista exclusiva ao site do CAU/PR.
Guerra dos Lugares – A Colonização da Terra e da Moradia na Era das Finanças: livro tem relação direta com a experiência da professora Raquel Rolnik como relatora da ONU para o Direito à Moradia Adequada.
CAU/PR: De que maneira o livro “Guerra dos Lugares” tem relação com sua experiência na ONU?
Raquel Rolnik: Tive a oportunidade de conhecer as políticas de moradia no mundo inteiro, sob a ótica do direito humano à moradia adequada. O livro é fruto desse meu trabalho como relatora especial da ONU. Nessa obra também faço uma reflexão sobre o que aconteceu aqui no Brasil nos últimos anos em termos de políticas de moradia e a relação com o projeto global que estou chamando de “financeirização da terra urbana e da moradia”. Esse processo ocorreu no nosso país de uma maneira muito particular por meio de grandes projetos urbanos, das parcerias públicos-privadas e pelo programa do governo federal, Minha Casa, Minha Vida – por exemplo.
CAU/PR: Por que você resolveu se dedicar ao tema da moradia durante a sua carreira?
Raquel Rolnik: Comecei minha reflexão como acadêmica, no fim dos anos 1970, pesquisando o processo de formação das periferias por meio da autoconstrução. Esse foi o assunto do meu trabalho final de graduação. Desde então sempre estive envolvida com o tema da moradia e também com as discussões sobre política urbana. Na minha visão como relatora especial da ONU, uma das questões que ficou absolutamente clara é que moradia não é um teto e quatro paredes. Sempre acreditei que moradia é um lugar, um portal a partir do qual o indivíduo, a família e a comunidade podem acessar outros direitos humanos como a educação, o trabalho, a saúde e o meio ambiente. Ou seja, não dá para pensar em moradia sem cidade, não dá para imaginar política de moradia desvinculada de uma política urbana que leve em consideração a questão da moradia social. Esse é o grande desafio a ser enfrentado em nosso país para, assim, de fato termos o direito à cidade para todos.
CAU/PR: Em 2010, a Lei Federal nº 12.378 regulamentou o exercício da Arquitetura e Urbanismo no Brasil e criou o CAU. Qual a sua avaliação sobre o conselho nesses anos de atuação?
Raquel Rolnik: Tenho uma expectativa grande em relação ao CAU e espero que seja correspondida: o papel dos arquitetos e urbanistas precisa ser retomado no pensamento e na formulação de um projeto para o país. Os arquitetos tiveram essa função no momento da arquitetura moderna, entre os anos 1920 e 1970, quando imaginaram Brasília e pensaram em políticas de habitação social universais. Só que esse protagonismo foi interrompido pela ditadura e, infelizmente, nunca mais os arquitetos passaram a ter uma condição importante na elaboração de tais modelos. Acredito que o CAU é um conselho com recursos e capacidade para arregimentar os arquitetos na direção de um modelo de nação, especialmente agora neste momento de crises do modelo político e de estado, e da convulsão enorme pela qual o Brasil está passando. Vejo que os arquitetos precisam repensar a profissão, os seus papéis e o CAU pode ser um enorme mobilizador.
CAU/PR: Qual mensagem você deixaria para os arquitetos e urbanistas?
Raquel Rolnik: A maior contribuição que a arquitetura pode dar para a humanidade é construir um território generoso, mas precisamos lembrar que se esse território for feito só para alguns, não estará cumprindo a sua função. Então, é fundamental enfrentar os limites e os bloqueios a fim de implantar a arquitetura para todos.
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